Por esses dias eu olhava a folinha, revistando as datas comemorativas, e dei me conta de que se aproximava o dia de finados, quando muitas pessoas vão saudar os seus mortos. Alguns se entregam as lágrimas, outros permanecem em silêncio, mas têm os que conversam com o falecido e até os que contam histórias. São muitas as maneiras de externar os sentimentos nesse reencontro ou “redespedida”. Mas na despedida não é diferente, e meditando nisso recordei-me de um homem que não perdia um enterro, recordação que vem de longe, das terras mineiras, onde nasci. Seu nome era Tião Cego e de fato faltava-lhe uma vista. Tião Cego vivia maltrapilho pelas sarjetas, entregue a contínua embriaguez, mas era um homem bom; sempre estava disposto a ajudar quem quer que fosse, e quando morria alguém ele corria para um riozinho que cortava a cidade, onde se banhava e conseguia roupa emprestada para se apresentar no velório. Era a única ocasião em que tomava banho, se vestia decentemente e não bebia.
– Hoje, nada de cachaça, dizia ele aos amigos de copo.
E se insistisse ele brigava com o sujeito; fazia questão de estar em todo velório. Nasceu e se criou no lugar e, que eu me recorde, nunca perdeu um velório na cidade. Ele não apenas participava como chamava a todos para irem aos velórios e aos enterros. Para Tião Cego, velório triste era velório com poucas pessoas. Certa manhã, porém, Tião Cego foi encontrado morto, todos se reuniram e compraram um caixão muito bonito para ele. Com muito pesar a cidade em peso foi ao seu velório e ao enterro, gostavam muito dele, foi o que se viu nesse dia. Na cidade já tinha morrido prefeito, padre, professor, médico e etc., e nenhuma dessas personalidades teve tanta gente em seu velório quanto teve Tião Cego. Num pequeno discurso de despedida a beira do seu caixão, o vendeiro Seu Alcides disse:
– Até ontem este homem era pra mim um pobre coitado, porque levava uma vida desregrada, ruim mesmo. Ele não tinha nada na vida, senão a estranha mania de gostar de todos e estar sempre disposto a ajudá-los. Hoje penso diferente, pois vendo todos nós aqui, descobri que ele não era sem posses, porque ele tinha a nós; e também que a sua mania não deveria me ser estranha, porque ela o engrandeceu. Enfim, hoje entendo que ele viveu bem e confesso que estou muito feliz. Pois a vida é infinitamente mais bonita que a morte e, contra esse inimigo invencível, viver bem é a melhor vingança.
Edmar Eleutério – Parelheiros/SP - 27/10/2003
– Hoje, nada de cachaça, dizia ele aos amigos de copo.
E se insistisse ele brigava com o sujeito; fazia questão de estar em todo velório. Nasceu e se criou no lugar e, que eu me recorde, nunca perdeu um velório na cidade. Ele não apenas participava como chamava a todos para irem aos velórios e aos enterros. Para Tião Cego, velório triste era velório com poucas pessoas. Certa manhã, porém, Tião Cego foi encontrado morto, todos se reuniram e compraram um caixão muito bonito para ele. Com muito pesar a cidade em peso foi ao seu velório e ao enterro, gostavam muito dele, foi o que se viu nesse dia. Na cidade já tinha morrido prefeito, padre, professor, médico e etc., e nenhuma dessas personalidades teve tanta gente em seu velório quanto teve Tião Cego. Num pequeno discurso de despedida a beira do seu caixão, o vendeiro Seu Alcides disse:
– Até ontem este homem era pra mim um pobre coitado, porque levava uma vida desregrada, ruim mesmo. Ele não tinha nada na vida, senão a estranha mania de gostar de todos e estar sempre disposto a ajudá-los. Hoje penso diferente, pois vendo todos nós aqui, descobri que ele não era sem posses, porque ele tinha a nós; e também que a sua mania não deveria me ser estranha, porque ela o engrandeceu. Enfim, hoje entendo que ele viveu bem e confesso que estou muito feliz. Pois a vida é infinitamente mais bonita que a morte e, contra esse inimigo invencível, viver bem é a melhor vingança.
Edmar Eleutério – Parelheiros/SP - 27/10/2003